Antonio Marcos Santos*
As eleições deste ano na Bahia colocam um desafio enorme para as entidades que militam no movimento de criança e adolescente no Estado: como pautar as candidaturas governamentais e parlamentares na perspectiva delas assumirem o compromisso de fazerem cumprir uma agenda em prol da garantia do direito da criança e do adolescente como prioridade absoluta, conforme o ECA, lei de 1990, que tem 25 anos de existência em nosso país?
Em primeiro lugar, é necessário uma leitura sobre a realidade das políticas governamentais desenvolvidas nos últimos 4 (quatro) anos pelo governo do PT. Sem dúvida nenhuma podemos citar avanços importantes: o orçamento do Fundo Estadual da Criança e do Adolescente – FECRIANÇA – saltou de R$ 120 mil reais anuais para R$ 1 milhão; a agenda do enfrentamento ao trabalho infantil ganhou corpo; as políticas sociais e culturais foram mais interiorizadas; as medidas sócio-educativas avançaram com a criação de Unidades de Semi-liberdades em regiões estratégicas do Estado; o semi-árido baiano ocupou um espaço maior nas preocupações do Estado, já que esta região é onde apresenta menor IDH; os Conselhos Tutelares conseguiram serem universalizados, juntamente co m os Conselhos de Direitos; temos uma maior descentralização do orçamento estadual; o Plano de Educação em Direitos Humanos representa um avanço; o governo tem um diálogo mais respeitoso com o movimento social, além de outras conquistas. Reconhecer estes avanços nos faz também perceber onde devemos avançar e nos indica como devemos centrar nossa estratégia de ação para garantir a prioridade absoluta da criança e do adolescente. Isto é com certeza os motivos do segundo ponto deste texto.
Em segundo lugar, precisamos mostrar claramente os pontos que precisam avançar:
1 – O orçamento do FECRIANÇA ainda é muito pequeno para a dimensão geográfica do nosso estado e também o déficit social acumulado ao longo das décadas de governos que priorizavam obras faraônicas em detrimento da melhoria da qualidade de vida da população. Neste sentido, é essencial também apontarmos para a necessidade de criarmos um marco regulatório de financiamento das entidades não governamentais no estado da Bahia, pois entidades não governamentais não podem continuar sendo tratadas como “ou caso de polícia” ou “empresas”;
2 – O CECA (Conselho Estadual da Criança e do Adolescente) precisa se transformar, em um conselho estadual no sentido de conseguir ser o espaço formulador da política estadual da criança e do adolescente, inclusive colocando nesta política as diferenças culturais, geográficas e sociais que é característico de nossa realidade e ajudando no fortalecimento dos conselhos municipais e conselhos tutelares, órgãos locais e, portanto mais próximo da realidade diária das pessoas; além disto, o CECA precisa ser o espaço de avanço no sentido de contribuir na socialização da política numa perspectiva de controle social do Estado. Por fim, o CECA necessita também ser espaço que fomente a articulação e a integração e intersetorialidade das políticas públicas sociais no Estado;
3 - É essencial a redefinição do papel da Segurança Pública no nosso estado, mudando a lógica de atuação deste aparelho tão essencial para a paz social. A Segurança Pública precisa ser refeita a partir de outras bases, já que a atual ainda vê os pobres como perigosos e ainda criminaliza movimentos sociais, negros, moradores de periferia e juventude. O movimento da criança e do adolescente precisa ajudar a construir um Plano Estadual de Segurança Pública, que supere a visão preconceituosa apontada acima e que conceba a Segurança Pública como direito social e que está a serviço do coletivo e não contra ele. A Polícia não pode mais achar que seu trabalho só é eficaz quando mata e que o salário do bandido é o seu extermínio. A Polícia precisa ser formada dentro de outros parâmetros educacionais que veja que sua ação tem como limite a lei e que a lei é o caminho de punição para os que se desviam dos padrões socialmente aceitos de convivência. Combater a pena de morte legalizada no Brasil pela Polícia deve ocupar espaço importante no Plano de Segurança Estadual. Há de ressaltar ainda que um Plano de Segurança Pública deve ser fundado também numa compreensão de que a violência na contemporaneidade é resultado das contradições da forma em que estamos produzindo o existir agora, ou seja, a violência deve ser explicada não como simplesmente um desvio moral dos cidadãos, mas como a ponta do iceberg da operacionalização do sistema sócio-econômico no atual estágio da humanidade. No bojo da Segurança pública devem-se ampliar as delegacias especializadas de criança e adolescente, hoje somente duas existentes no Estado. A implantação de delegacias deve ser se guida por um Plano de formação de agentes da segurança pública para lidar com a criança e adolescente de uma forma a cumprir o seu papel sem desrespeitar os seus direitos. Estamos vendo no dia a dia uma transferência de responsabilidade da Segurança Pública para os Conselhos Tutelares, que se transformaram até em policiais não oficializados. A Policia tem que estar preparada para desenvolver na área de infância e adolescência a sua função a partir do ECA.
4 – Garanti direitos exige que a Instância que atua no cumprimento da lei de fato exista na prática, principalmente daqueles que mais necessitam da Instituição. Criar varas da Infância e da Adolescência no Estado é alargar as condições para que o ECA se cumpra em nosso Estado. Precisamos deixar de ser somente 2 (duas) varas especializadas em criança e do adolescente na Bahia e termos a Justiça da Infância em nossos municípios, porque isto com certeza ajudará na priorização do julgamento de ilegalidade cometidas seja pelo Estado ou por pessoas contra o direito da criança e do adolescente. Hoje, os processos judiciais envolvendo criança e adolescente não são priorizados na pauta do Judiciário e assim o sistema de impunidade se perpetua e o sentimento de violação permanece latente nos violadores, já que muitos dos seus crimes prescrevem;
5 – O trabalho infantil precisa ser enfrentado com mais veemência pelo Estado, inclusive com financiamento de ações para os municípios que mostrarem mais resultados nesta área. O PETI hoje é municipalizado e as prefeituras ainda não conseguiram desenvolver o Programa de forma a contento;
6 - Outro desafio é o combate as drogas a partir de uma política de promoção social das famílias, onde se junte repressão com promoção social de direitos. Criança e adolescente precisa desde cedo perceberem que tem oportunidade para evitar as drogas como caminho fácil para resolver seus problemas.
7 – É importante uma política estadual de enfrentamento a prostituição infanto-juvenil e para tanto é necessário mapear os pontos de prostituição assim como desenvolver ações concretas com os municípios de fronteiras ou com forte atividade turística;
8 – Na esteira da formação, avançar na operação do direito da criança e do adolescente requer formação permanente dos operadores deste direito em nosso estado. Daremos uma contribuição a este assunto, quando ousamos aprovar e assegurar orçamentariamente uma política de formação permanente dos operadores do direito. Aprovar é importante, mas é essencial a alocação de recursos nos orçamentos públicos para esta finalidade.
9 – É urgente também que o Estado aprofunde a política de contextualização da suas políticas com a realidade do semi-árido baiano, que cobre a maioria de nossos municípios. Conhecer esta região, incentivando estudos e focar políticas públicas contextualizadas é passo significativo para alterar os índices sociais que atingem a criança e o adolescente do nosso semi-árido, conforme as pesquisas que mostram a violação de direito elementar nesta região. Sem dúvida, promover políticas sociais é um dos remédios mais eficazes contra a violência. Assim, criar espaços de lazer, cultura e esportes nos municípios baianos evitará que as crianças e os adolescentes vejam os bares como sua única opção de diversão, como é a realidade atual, principalmente dos bairros mais pobres do nosso Estado. Termos ações concretas de promoção da cultura, esporte e do lazer para criança e adolescente exige-se pensar como utilizar os prédios públicos ociosos, as escolas públicas e os espaços das entidades não governamentais para desenvolver ações de cultura, esporte e lazer que promovam este direito como essencial para o desenvolvimento humano da criança e do adolescente.
10 – Por fim, queremos destacar a necessidade urgente de projetos na área de levantamento de dados sobre a realidade social no estado da criança e do adolescente. Termos estatísticas confiáveis é passo fundamental para focalizar ações e garantir efetividade e eficácia, inclusive com potencialização do fundo público. Fazemos política pública ainda de forma espontânea e por isto desperdiçamos muito tempo e recursos financeiros e humanos. Devemos comprometer as universidades, a Secretaria de Planejamento e a SEI no compromisso de produzir dados sobre a realidade da criança e do adolescente no estado. É claro também que isto não deve dispensar o financiamento de entidades que tem credibilidade no levantamento de dados.
11 – Terminando é urgente que o Governo Estadual encontre uma forma de financiar a estruturação dos Conselhos Tutelares e de Direitos, para que possamos ter estes órgãos funcionando de fato em nosso estado, já que a situação deles é deplorável na maioria dos municípios, onde falta-se questões mínimas para o desempenho da função: um local, linha telefônica, recursos humanos e internet. Entendemos que o governo deve criar uma estratégia de condicionar o repasse de recursos/impostos estaduais a municípios que cumprirem com a responsabilidade de garantir o funcionamento autônomo dos Conselhos Tutelares e Municipais, bem como dos Fundos de Criança e Adolescente, com fundos.
O exposto acima exige-se planejamento. Assim, devemos trabalhar na Elaboração e aprovação do Plano Decenal estadual dos direitos da criança e do adolescente, que seja assumido pelo Poder Público e pela sociedade baiana e que de fato caminhem para garantir o cumprimento do direito da criança e do adolescente no estado. Criança não pode ser futuro, porque este é construção do presente. Criança e adolescente precisa ser presente e presente nos orçamentos públicos.
* Conselheiro Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – Bahia e Coordenador Executivo do IDESAB.
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